Dia 3 de Julho de 1916

Escrevi hoje para Aveiro às pessoas que para mim são mais queridas.

Quanta saudade nestas cartas!...

Parece que é amanhã o desembarque.

E, sendo assim, é hoje a última noite que vou dormir no meu beliche, sobre o mar, sobre a água agora tão mansa, tão tranquila, que o seu beijo às paredes do meu navio é uma doce prece de namorado feliz.

E, digo com sinceridade, apesar de ter viajado tanto tempo, a ponto de me aborrecer às vezes, eu vou deixar o “Portugal” com certa pena, com saudade, com tristeza.

Não é por ir para uma vida pior. Não.

Mesmo que fosse para a felicidade completa, esta pena existia.

Que diabo! Nós somos novos, temos alma. Esta alma sente, dedica-se, cria amizade, afecto ás pessoas e às coisas.

O “Portugal” tem sido a minha casa há 5 semanas. E todo o homem tem amor à sua casa, ao seu lar, ao quarto onde adormece e sonha.

Vou deixar com saudade o “Portugal”.

Já não é embalado o meu adormecer pelo seu balanço, e à noitinha já não sinto o bater da água, nem vejo a espuma luminosa da onda.

Ai quanta recordação traz o mar, a vela que se mostra e desaparece numa elevação de água e depois torna a vir!

Ai quantas recordações das noites no tombadilho, das noites semeadas de estrelas, dos fados e cantigas da minha terra cantados entre dentes, em surdina, pela rapaziada amiga!...

Agora mesmo ouço um dos fados que mais me faz sentir, que me enche de saudade, que aumenta a minha nostalgia dessa terra onde eu nasci.

O fado!... Canção do meu pais mais querido, que só a compreendem as almas portuguesas, essas almas sempre crianças, sempre leves, sentimentais, românticas, saudosas como o luar da sua Pátria!...

O fado é triste. Uma alma que o canta, sentindo-o, é uma alma que sabe amar.

O fado é essa canção que nasce do íntimo, que vem do nosso sentimento e que aflora aos lábios com toda a tristeza de quem o canta.

Não deve demorar muito o começo das operações contra os alemães. Diz-se que será obra de pouca demora a resistência que deverão oferecer e que para o Natal nós já deveremos estar em casa.

A dificuldade principal é a travessia do Rovuma, rio bastante largo. Na margem oposta à nossa o inimigo espera-nos. Estão bem entrincheirados, trincheiras blindadas, e os alemães servem-se de metralhadoras para obstar o desembarque.

Eu tenho ânimo e esperança de vencer.

Esta força, este calor vêm da minha idade, do meu sangue, dos meus sonhos, de uma voz muito íntima que grita: “Tem coragem, ânimo. Lembra-te que és homem!”.

Estou animado e tenho esperança de em breve regressar ao meu País.

Mas não será esta esperança uma ilusão de rapaz, uma quimera que nasce do desejo imenso de ver os meus?

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