Dia 28 de Junho de 1916

Atracámos no cais de Lourenço Marques no dia 24.

Eram 6 horas da tarde. Noite fechada.

Não vou descrever a cidade.

Seria maçada para mim e maçada para quem um dia abrir estas folhas.

A cidade agrada e é movimentada.

Muito pitoresca e com alguns prédios muito bons.

Não quero perder-me em descrições nem falar em inutilidades.

Devo dizer, porém, que tenho Lourenço Marques numa impressão e recordações muito gratas.

Não poderia escrever sem deixar escritos os nomes de Carlos Pinto Coelho, António Salema, João Dias Monteiro, Sebastião Jayme de Carvalho e Damas, amigos que não se podem esquecer.

A este grupo de rapazes devo eu e meus companheiros os momentos mais felizes desde que partimos da nossa terra.

Amáveis em extremo, proporcionaram belos tempos que, por serem belos, passaram breves.

Com eles passámos na Polana, praia de banhos muito interessante, a véspera da partida, dia 27 de Junho.

O que foi esse dia não se poderá escrever.

Os momentos felizes da nossa vida passam tão rápidos, tão efémeros, têm uma vida tão limitada e são de tal modo grandiosos que não há tempo nem imaginação capaz de os descrever.

Quem pode passar a tinta uma gargalhada?

Quem poderá fixar no papel um espadanar de água, uma frase que sai espontânea e que se apaga sem dar tempo a decorar-se?

O dia na Polana não esquecerá mais. Dia de rapaziada, com aquela viveza da nossa idade, com o riso da nossa alma.

Tomámos banho no mar.

Demolhámo-nos, é o termo. Concerteza que se o bacalhau que nos dão a bordo estivesse na água tanto tempo como nós estivemos não seria necessário afogá-lo em azeite como acontece sempre.

Após o banho foi-nos oferecido um almoço.

Eram quinze à mesa. Hernâni, Camilo, Ferrão, Leite, Vasconcelos, Magalhães, Gustavo, Pinto Coelho, Salema, Dias, Monteiro, Damas, Edmundo Chaves, Sebastião de Carvalho e eu.

Almoço animado e no qual o Hernâni fez sentir em seu nome  e de todos nós rapazes amigos, a gratidão que nos invadia e o prazer de uma reunião tão sincera.

Findo o almoço fizemos uma excursão até ao interior e regressámos à Polana pela beira-mar, voltando á noite para a cidade.

Dia bem passado, que serve de amostra.

Partimos dia 28, e esta partida foi custosa porque deixávamos amigos, e esta partida foi mais um quebrar das nossas ilusões.

Nas taças de champanhe bebidas em honra dos companheiros de horas brilhou, estremeceu, e morreu uma estrela da nossa mocidade.

Trocávamos a vida pela jornada da noite.

Não quero terminar sem me referir à vida em Lourenço Marques.

Vida caríssima. Um exemplo: uma ceia para cinco num bar – um bife, uma costeleta, rim com ovos e café para mim, Rebocho, Ferrão, Hernâni e Leite – custou 8$500 réis.

O bar é um restaurante e café onde se explora descaradamente.

Um copo de leite custa 240 e um de cerveja 300.

É tudo assim.

Bitola alta. A coisa mais barata que se encontra na cidade são as estampilhas.

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