Dia 19 de Junho de 1916

Passámos pela manhã o Cabo da Boa Esperança.
É lindo o panorama que se observa do mar. Depois de dias sobre dias passados sem ver terra, avistá-la é para o que viaja uma das maiores alegrias.
Terra!... gritam. E os olhos ávidos, loucos de desejo, procuram perceber a sombra que é terra, a terra que é vida. Só o pode dizer quem por muito tempo se viu afastado dela...
A Cidade do Cabo é linda.
belas ruas, belos edifícios, tem uma civilização europeia. Há mulheres bonitas.
Nós temos das inglesas uma impressão desagradável.
Quando se fala diante de nós de inglesas, nós sonhamo-las logo esgrouviadas, pálidas, cabelos de um louro sem vida, duma magreza britânica. E porque pensamos nós assim?
Em Portugal pulula um enxame de professoras inglesas, velhas, ruivas, de meia-idade. De entre dezenas, de centenas, de entre esse enxame que inunda Portugal, não se encontra uma interessante, bonita, de aparência agradável.
A "Miss" de Portugal é uma "Miss" esquelética.
Meia girafa, não tem aquela luz que os olhos criam e que fascina, os cabelos não são pujantes de vida.
Caem-lhe em ondulações mortas, flácidas, agonizantes.
A contemplação da "Miss" causa frio, arrepia, lembra as neves de Albion, dá a ideia de um cangalho de ossos enfiado numas sedas berrantes.
A inglesa de Portugal... que grande estafermo!
Eu tinha das inglesas este pensar.
É certo que na "Família Inglesa" eu conhecera uma inglesinha como não conheci outra mulher ainda.
Miss Jenny é a mulher que pode desejar a alama mais artista.
Quase amava essa Miss loira, branca como as rendas, débil, delicada, de uma delicadeza tal que "quase se subtraía ao tacto".
Depois da leitura no meu cérebro havia a admiração pela mulher britânica.
Oh! Miss Jenny é o tipo da innglesa!
Mas - ó triste desilusão da alma mais iludida - na rua, ainda adormecido por esse encanto, por essa beleza de livros, mas que acreditara existir, meio estonteado pela arte com que se apresentara, meus olhos foram despertados e a minha alma desceu à realidade ao ver surgir, altiva e triunfante, de uma altivez e triunfo cintilantes, a Miss do meu país, magra, esclerótica, usando chinó!
A Inglaterra exporta todas as suas mulheres feias.
Esparta eliminava as disformes, as inúteis.
A Inglaterra não as elimina. Livra-se delas e, com aquela troça e superioridade que lhe são peculiares, atira-as à cara dos vizinhos.
Quando cheguei ao Cabo ia na convicção de encontrar só mulheres feias.
Esvaiara-se já a imagem da irmã de Carlos. Para mim a inglesa era um homem que vestia saias.
Mas o Cabo tem boas mulheres.
Ao ver as primeiras eu perguntei: São inglesas?
Disseram-me que sim.
E ao ver deslizar apresadas aquelas mulheres brancas, muito loiras, tranças de oiro vivo, vagas de âmbar banhando uma carnação de de leite, pensei que era verdadeira em toda a extensão essa ideal inglesinha de Júlio Diniz. Flor admirável de inocência, perfume sentido de beleza.
São feias, masculinas, as inglesas que vivem no meu país. A Bretanha expulsa-as para ficar com as que são belas e admiráveis.
A Bretanha faz conhecer somente as esgrouviadas para que o estranho não vá cobiçar essas carnes macias e ardentes que contrastam com os seus gelos, ásperos e frios.
A egoísta Inglaterra...
No Cabo vêem-se inglesas galantíssimas.
Vi-as eu duma graça, duma finura inegualáveis.
Misses loiras, muito loiras, tranças de Sol, A Miss Lhom do "Mistério de Sintra", Misses que quando passam deixam um rasto de estrelas e um olhar muito apaixonado, muito português, pensando nelas.
São quase todas assim as mulheres do Cabo.
Quem as olhará que não sinta um clarão muito suave verter-se-lhe na alma?
A nossa estada na cidade foi breve.
Jantámos num hotel de um português, fomos à noite ao cinema, onde tive ocasião de apreciar uma vez mais o patriotismo o inglês, patriotismo que se traduz e mostra nas coisas mínimas.

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